*Esse post está sendo republicado para fazer parte da Promoção de Aniversário do Grande Abóbora. A princípio, ele havia sido criado com esse intuito; depois, mudei de idéia, e agora, mudei de idéia de novo. Desejem-me sorte (mais do que eu tive nesse dia horrível, por favor!): se eu ganhar, recebo dois livros (um dos quais eu já tenho, então posso trocar por qual quiser), e vamos combinar que livros nunca são demais, ainda mais pra mim.
No começo de 2006, eu tinha 17 anos e não gostava muito do meu então emprego. Não tinha nem começado a faculdade ainda; pra ser sincera, estava tentando desesperadamente conseguir uma vaga no lugar onde eu estudo agora, depois de perder o prazo de matrícula.
Por sorte, soube que uma escola de inglês da minha rua estava à procura de novos professores. Era a minha chance de ganhar mais, trabalhar com algo que sempre gostei e que fosse muto perto de casa. Fui até lá, fiz o teste e alguns dias depois fui chamada para uma entrevista com o diretor, mas na unidade de São Bernardo, que foi marcada para as 19 horas do dia seguinte.
Eu trabalhava na Av. Jabaquara e saía as 18h do trabalho. Chegar de trólebus em uma hora em São Bernardo seria tarefa para, tipo, o padre voador. Eu jamais conseguiria. Minha vó, então, como sempre, veio em meu resgate: ofereceu-se para me buscar no trabalho e me levar de carro até a entrevista.
Ótimo. Às 18h, me esperava pontualmente minha adorável vovó. Entrei no carro e o pesadelo começou a tomar forma.
O trânsito. Ah, o trânsito. Havia chovido durante o dia, e essa era a provável causa DE ESTAR TUDO ABSOLUTAMENTE E INACREDITAVELMENTE ESTÁTICO. Era 18h40 e estávamos ainda na divisa com Diadema, e as vias não davam sinal de trégua.
Foi então que tive a idéia brilhante do dia. Estávamos do lado do corredor de trólebus, que é exclusivo e portanto, livre de trânsito; eu desceria do carro, pegaria um trólebus e chegaria no lugar a tempo. Minha vó seguiria para lá de carro e esperaria o término da entrevista. Resolvido.
Desci do carro, entrei no ônibus e meia hora depois lá estava eu, no centro de São Bernardo, de baixo de uma garoa e sem saber exatamente para onde deveria ir se quisesse chegar até a tal escola de inglês. Me informei e descobri que uma longa subida me esperava.
Respirei fundo e, fôlego renovado, me pus a caminhar no canteiro centro do corredor de trólebus, para atravessar a rua no ponto certo e começar a longa caminhada.
Agora, peço uma pausa para falar sobre os sulcos.
Esses não são os sulcos.
Os sulcos são cavidades longitudinais formadas nas vias usadas por veículos de grande porte. O asfalto é uma substância em estado líquido (é sério), mas de espessura e viscosidade muito altas. Por isso, ele se altera de acordo com o peso aplicado sobre ele. Nas vias de trólebus, duas ‘valetas’ fundas são formadas no lugar onde passam as rodas dos ônibus que trafegam ali.
Pois bem. Havia chovido razoavelmente naquele dia.
Espero que você já tenha conseguido imaginar o resultado da combinação. Mas eu sou didática, então vamos lá: a água da chuva se acumulou em forma de enormes lagos poças na rua. E eu caminhava distraída quando tudo aconteceu - parece câmera lenta. Vi e tomei conhecimento, de canto de olho, da existência dum acúmulo anormal de água nas poças ao meu lado. Minha visão periférica também foi capaz de ver um trólebus se aproximando pela via em alta velocidade. O canteiro central é estreito. Ouço o barulho de outro ônibus se aproximando pela mão oposta, um pouco mais distante e junto tudo.
Não fui rápida o bastante. Tomei o primeiro banho a tempo de ver as pessoas do trólebus olhando para a minha cara de decepção com a vida. E não deu tempo de xingar, porque daí veio o segundo, da outra pista.
Eu nunca me senti tão fracassada e perdedora em toda a minha vida, e isso não é exagero. É impressionante o simbolismo que tomar um banho assim na rua carrega, acho que por causa dos filmes: sempre que acontece isso com alguém é depois do ‘que droga! o que mais pode acontecer agora???’
Cheguei na escola encharcada e ofegante meia hora depois, após uma subida muito íngreme e longa. Na porta, minha vó esperava sorridente. Ela havia chegado antes. Tentou me ajudar pelo menos a tirar as manchas encardidas da roupa (a água, como vocês devem esperar, estava suja).
Entrei e, fingindo que eu não estava com as roupas grudando no corpo de tão molhadas nada tinha acontecido, perguntei pelo meu entrevistador.
- Ah! Ele teve um imprevisto e só vai chegar daqui uma hora. Você pode esperar?
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Ana Freitas Reply:
May 22nd, 2009 at 2:38 pm
É, eu costumo ter sorte…
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