Há pouco mais de um ano, me aconteceu uma coisa curiosa. Fui pré-selecionada para uma vaga de comunicação interna em uma multinacional de peças automotivas, a TRW que não vou citar o nome porque isso é totalmente antiético.
Lá, fui submetida a estranhos testes com eletrodos e máquinas esquisitas ao experimento bizarro que define uma dinâmica de grupo. Você já confronta os outros participantes na sala de espera; normalmente, conhece um outro de vista da faculdade ou algo assim. Se as pessoas forem simpáticas, vão puxar papo, a coisa descontrai. Mas mesmo assim, a impressão de ’sou eu contra você hoje!’ nunca desaparece do ambiente. E esse clima de competitividade já começa a irritar lá mesmo, na sala de espera.
Daí, beleza. Vai todo mundo pra sala da dinâmica, senta nas cadeiras dispostas em um círculo e normalmente a pessoa do RH diz pra gente se apresentar.
Nas dinâmicas para vaga de estágio, a maioria das pessoas não têm muita experiência. Só que, é claro, sempre vai existir aquela pessoa especial. Sim, a pessoa especial fala 8 idiomas. Ela conhece o mundo inteiro. Ela já fez trabalho voluntário na África e na índia. O mais preocupante: a pessoa especial adora falar sobre o quanto ela é especial. Com desenvoltura.
Minha mãe sempre diz que as dinâmicas normalmente eliminam essas pessoas especiais. Geralmente, elas vêm embutidas também com um espírito de ’se quero algo feito, faço eu mesmo’ - o quê, vocês devem imaginar, não é exatamente o ideal para uma dinâmica em grupo.
No dia da dinâmica para essa vaga em questão, depois da apresentação (que contou com uma ou duas pessoas especiais), haveria uma dinâmica. Ah, minha parte preferida.
Separaram a gente em duplas e a minha parceira de trabalho, muito simpática, comentou que já tinha me visto na faculdade. Descobri que éramos do mesmo ano; ela da manhã, eu da noite.
A dinâmica consistia no seguinte: nos deram dois canudos, um elástico, uma folha de papel e um clipe. E nos mandaram construir a torre mais alta possível com aquilo.
Óbvio: o objetivo era construir uma torre não tão alta, mas que ficasse em pé, pelo menos. A metáfora é que iIsso sem dúvida demonstraria que éramos ‘pé-no-chão’ e também que éramos pessoas preocupadas em construir uma estrutura sólida para depois fazê-la crescer. Claro, evidente que é possível classificar uma pessoa com todas essas características baseado em uma torre de canudos construída por ela. Ufa, ainda bem que temos esse tipo de artimanha para desvendar personalidades de maneira tão rápida e eficiente.
A dinâmica terminou e, entre explicações que variavam do ’sim, porque nós constatamos que era mais importante estabelecer uma estrutura sólida, mesmo que não fosse possível deixá-la tão alta, já que é evidente que, nesse caso, é importante…’ ao ‘nossa torre caiu’, eu e minha parceira explicamos os propósitos da nossa e aconteceu uma coisa inesperada.
Aqui, um adendo: eu tenho uma mania péssima de… rasgar papel. Eu rasgo papel em todo lugar; nos restaurantes, milhares de guardanapos. Eu não consigo ficar quieta e é quase inconsciente: quando vejo, os papéis já estão rasgados.
Ae comecei a destruir minha torre. Torci os canudos, rasguei o papel da base; o clipe, eu quebrei.
E não é que o viado do entrevistador, do nada, gritou: “AGORA VOCÊS TÊM DOIS MINUTOS PARA MELHORAR O PROJETO DA TORRE DE VOCÊS ! VAI!”
Eu nunca esqueci o olhar de decepção da minha parceira, desolado, fatalista, de perda reconhecida. Naquele momento, eu e ela soubemos que a vaga não seria nossa. Eu fiquei com vergonha e pedi desculpas, mas senti que nada poderia fazer para redimir minha falha.
Ontem, na sala nova, a garota me reconheceu. Pedi desculpas novamente; ela pareceu aceitar. Não há nada que o tempo não cure.
Esse vídeo mostra com detalhes a estupidez da coisa o que as pessoas avaliam numa dinâmica. E a gente finge que tá acreditando que os propósitos são tão nobres. E a trilha é Killers, rapaiz. Achou que era tudo ruim nesse negócio de dinâmica?
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May 9th, 2008 |