As letras de música que não querem dizer nada
De acordo com a grande mestra Wikipedia, licença poética se define assim:
…é a permissão para extrapolar o uso da norma culta da língua, tomando a liberdade necessária para utilizar recursos como o uso de palavras de baixo-calão, desvios da norma ortográfica que se aproximam mais da linguagem falada ou a utilização de figuras de estilo como a hipérbole ou outras que assumem o carácter “fingidor” da poesia, de acordo com a conhecida fórmula de Fernando Pessoa (”O poeta é um fingidor”).
A matéria-prima do poeta é a palavra e, assim como o escultor extraí a forma de um bloco, o escritor tem toda a liberdade para manipular as palavras, mesmo que isso implique em romper com as normas tradicionais da gramática. Limitar a poética às tradições de uma língua é não reconhecer, também, a volatilidade da fala.
De acordo comigo, licença poética é uma puta sacanagem. Porque sob o manto protetor e tolerante da ‘licença poética’ se cometem grandes atrocidades, não só com a língua portuguesa: o problema mesmo é quando alguém escreve uma música que não quer dizer nada.
As músicas que não querem dizer nada estão por aí, aos montes. As assobiamos com entusiasmo no caminho do trabalho, na volta do clube, indo para a academia. Elas são tão parte do dia-a-dia que nós não mais nos damos conta que algumas letras não fazem de fato sentido nenhum.
A música que não quer dizer nada é democrática. Ela está em todos os lugares, em todas as classes sociais e em todos os gêneros. Não escolhe tipo de instrumento, número de integrantes da banda ou idade do compositor. Quer um exemplo? Tente entender como alguém consegue formular tantas frases e não dizer categoricamente nada:
Em muitas vezes procurei tentar achar
Onde eu errei em coisas que nem têm porquê
Naquela vez perguntei
Você não soube responder
O que eu tinha feito pra vocêAgora como eu vou saber
Tem hora que é melhor esquecer
Espera o dia amanhecer
Pra ver o que a gente vai fazerCPM 22 é um dos grandes nomes adeptos das letras que não querem dizer nada
Para os desavisados, essa foi a música com a qual o CPM 22 estourou, lá por 2001, e se chama ‘Regina, Let’s Go’. Outro grande exemplo é de um trecho de uma letra que eu nunca compreendi e talvez nunca compreenderei, a não ser que o próprio compositor me esclareça (se é que ele sabe). ‘Temporal‘, do Art Popular (deve ser de algo como 1996 ou 1997, mas não tenho certeza), recita a máxima da música que não quer dizer… nada:
Eh!
Até parece que o amor não deu
Até parece que não soube amar
Você reclama do meu apogeu
Do meu apogeu!
E todo o céu vai desabar
Ah ah ah ah ah ah ah!
Ai! Desabou!…(2x)
Ok, amor acabou, fim, desgraça, inconformação. Até aí a gente pega. Mas eu nunca encontrei uma frase tão bizarra, jogada no meio de uma música para fazer rima, que fosse capaz de estragar todo o resto da letra.
Art Popular posa junto de seu Apogeu modelo 65
Não que o resto da letra seja um primor. Mas você tá lá, sambando suavemente durante o show do Art Popular e entoando com alegria um dos hits do grupo, ‘Temporal’. Ironicamente, o sol está alto no céu. Bom, você canta e se lembra da sua última decepção amorosa, se identifica e tal, mas aí você chega nessa parte do apogeu, e aí complica. Porque o pagode não pode ter complicação na letra, entende? Precisa fluir, cara, porque as pessoas precisam sambar e o show tem que continuar. Não dá para questionar a letra, não. Só que ‘você reclama do meu apogeu’ demanda um alto processamento de CPU. Você tá cantando e de repente vem uma frase dessa - não é algo que você está esperando.
Infelizmente, não consegui formular nenhuma teoria plausível para o que seria um ‘apogeu’, nesse contexto, e porque a mulher em questão estaria tão insatisfeita com ele. Sugestões nos comentários.
Claro que existem outros mestres, mais sofisticados, do nonsense letrista no cenário nacional. Não dá para esquecer do Djavan. E Tom Zé sempre foi um nome com muito potencial. Só que esse post tem como objetivo fazer justiça a Leandro Lehart, do Art Popular, como outra fera do cenário nacional de músicas que não fazem sentido. Afinal, não dá para esquecer do ‘Pagode da Amarelinha’ e do grande hino do Art Popular, que não diz naaaaada: ‘Agamamou’. Clássicos.
Posts relacionados
- Gostou? Assine o feed RSS do blog. Não sabe o que é isso? Clique aqui
- Receba as atualizações por e-mail
- Entre na comunidade do Olhômetro no orkut
September 22nd, 2008 at 2:13 pm
Realmente, que nem muitas bandinhas de hoje em dia. Só não concordei com Djavan. MPB como a dele é pra ser intrínseca, complicada. Pensa se fosse Djavan dizendo: A menina ta dançando e o pimpolho tá de olho! Cuidado com a cabeça do pimpolho!
FODA!
[Responder]
September 22nd, 2008 at 2:45 pm
Nossa, ontem mesmo eu estava ouvindo uma música no rádio que o refrão diz “pela última vez, hey, pela última vez…” (esqueci o nome da banda, acho que é NX Zero) e eu estava comentando que, no começo, parece que a menina tá terminando com ele, que ele vai lutar por ela, mas depois parece que ele está se conformando que eles se separaram e, ainda assim, quer que ela prometa “que o seu destino é meu” e eu fiquei até hoje se entender!!! hahahaha… será que o cara quis dizer que, mesmo sem ter nenhum motivo para ela voltar, sem ele ter desculpa pro que fez, é para eles ficarem juntos porque… sim?! ai, que cara mais mané, não? rssss
[Responder]
September 22nd, 2008 at 3:07 pm
Se liga nas palavras de Frejat em “Meus Bons Amigos”, do Barão Vermelho: “O amor sem fim não esconde o medo de ser completo e imperfeito”.
Podia ser uma das frases de Caras…
beijo!
[Responder]
September 22nd, 2008 at 3:18 pm
Cara, esse post não foi nada bom. Desculpe-me, mas você escolheu letras nem tão complicadas e se explicou como alguém que não parou muito para pensar.
Foi mal, mas se você pegasse letras de Renato Russo, Cazuza, Raul Seixas e assim vai, aí sim, SE querem dizer alguma coisa, querem dizer apenas para o autor. Eu adoro esses caras, mas as vezes não entendo NADA.
[Responder]
September 22nd, 2008 at 3:30 pm
hhuahauhauaha!
tá cheio de música assim. Tudo porcaria!(ao menos servem de diversão pra quem pensa)
tem até música religiosa que rima fé com pé!
[Responder]
September 22nd, 2008 at 3:33 pm
Não basta hábito de leitura apenas. Seria necessário mais inteligência e senso de observação a todos. Indistintamente…
Detalhes, nuances, filigranas. Tudo passa desapercebido.
É incrível! Nossas questões e nencessidades mais imediatas, fisiológica e biológicas, parece, sobrepõem-se… Abstração alguma?
A resposta é dura; zeeeeero!
[Responder]
September 22nd, 2008 at 3:55 pm
“Apogeu” no meio da letra é difícil pra cantar mesmo. Só que é preciso tomar cuidado para perceber se o cara não quer mesmo dizer nada ou se você quer que ele diga tudo de mão beijada. É necessário interpretação, em qualquer tipo de arte.
Falar que Djavan se insere no contexto dito por você é, no mínimo, imprudência.
[Responder]
September 22nd, 2008 at 3:58 pm
Letra sem sentido mesmo esta aqui:
http://www.purevolume.com/arevoltadoscatetos
Uma música dos texugos do cangaço.
“…o que importa é o que interessa, e vice-versa
o que importa é o que interessa…”
[Responder]
September 22nd, 2008 at 4:07 pm
Sou fã do Zeca Baleiro, contudo, reconheço que ele é fecundo em frases sem sentido. Se houvesse um rancking desse assunto, certamente, ele estaria láááá em cimaaaaa!!!
[Responder]
September 22nd, 2008 at 4:08 pm
Esqueceram-se do que considero MESTRE MÓR na química das palavras sem sentido, CARLINHOS BROWN! Suas letras quase nunca fazem sentido e e são encaixadas na música como uma “percussão de boca”.Mas o melhor, ou pior, é que TODOS cantam, não importando a lingua que falem:
Vide “Garoa” (…alguém pode traduzir???):
Vê-la num largo, largo longo
Sinto-me sem mi
Mas aquilo que busco lá longe
Ia no bar e vi
Dia nublado, Leblon, iê, iê
Há dissecar malhas claras
Água de chuva e sangue
O que será nossas caras
Você diz que vai, mas sai
Fala fulô, proesia…ôa
Chega e diz que vai levando
Fala fulô, proesia, i, i
Ouço os sinos repicando
Fala fulô, proesia… e now
Não escute o Vaticano
Fala fulô, proesiaa
Pray I, I want
I, I want pray
Garoa, garoa, garoa roa, garoa
Se o riso fosse mato pro milho crescer
Garoa, garoa, garoa roa, garoa
Sujeira no espelho creme dental e cabelo
Minha pele, minha cor
Meu primeiro cobertor
Meu passado, meu presente
Meu futuro mais contente
Minha casa, meu abrigo
Meu país desenvolvido
Meu desenho colorido
Meu amigo cá comigo, aiô
Fala fulô proesia, na garoa, na garoa
[Responder]
September 22nd, 2008 at 4:31 pm
Meu na boa, com relação ao CPM 22, eu nuca curti o som dos caras mas esperava que uma banda de rock de repente pudesse fazer uma letra mais inteligível, agora com relação as letras de pagode, acho que é isso mesmo, se for ver bem até que são letras ótimas, vc já viu o perfil de quem ouve isso, meu na boa, a maioria desses “ouventes, vevem disendo que tem pobrema”, então eu diria que está ótimo, eles só querem algo escrito que sirva de apoio pra melodia…
[Responder]
September 22nd, 2008 at 5:23 pm
eu não concordo nem discordo, muito pelo contrario!!!
[Responder]
September 22nd, 2008 at 5:33 pm
Você esqueceu de comentar o pior de tudo de todos os tempos: Letras de FUNK carioca!
Existe atrocidade a língua maior que isso?
[Responder]
September 22nd, 2008 at 5:44 pm
tiips, discordo da Ju Mary.
sou HIPER fã de NX Zero *-*
só q ñ é por isso q discordo
a letra dessa musica é simplesmente liinda
ta certo q é a opinião dela
[Responder]
September 22nd, 2008 at 6:17 pm
É um assassinato o que estas bandas de pop rock fazem com a poesia moderna. Gostaria muito de saber em quem eles se inspiram…
Será uma inspiração da palavra de seus produtores na qual hoje você é obrigado a escrever um monte de merda apenas para vender. Onde está a inspiração da poesia moderna ligada ao Rock n´ Roll de Jim Morrison, Bob Dylan, Raulzito, Cazuza, Renato Russo entre outros poetas da era moderna.
Isso me faz ouvir mais e mais o que se encontra no submundo do rock nacional.
“Ruas e jardins escondidos, lugar da oportunidade, lugar do despero, em sua dificil natureza tudo se torna fácil, rosas nascem em suas praças neste verão.Deixa no inverno a paisagem morta de concretos, prostitutas dançam e se oferecem em um ritual”
Trecho da música “Capital” da banda D.I.Xavantes (banda de rock paulistana não conhecida e escondida no underground) é uma pena…
[Responder]
September 22nd, 2008 at 7:11 pm
Como dizia Engenheiros do Hawaii:
” Há tantos quadros na parede…há tantas formas de se ver o mesmo quadro…”
O que importa é que uma vez a letra elaborada, devemos ignorá-la ou respeitá-la, mas nunca criticá-la, pois o que não faz sentido pra você, talvez faça para alguém…
[Responder]
September 22nd, 2008 at 7:13 pm
Outras pessoas: geniais as sugestões que vocês deram. Claro que se eu fosse garimpar tudo, teria conteúdo pra 1000 posts sobre esse assunto. Tem tanta coisa engraçada em música por aí, se você parar pra pensar…
@Guilherme Samprogna Mohor - Guilherme, não era pra ser uma análise muito profunda, sabe? É mais um texto pra ser divertido pra mim e pra você. Desculpe não ter atingido o objetivo. Mas poderia sim ter falado do Raul ou do Renato Russo. Vc tem razão nisso, algumas letras deles são impossíveis. Esqueci do próprio Engenheiros do Havaí.
@CA Monteiro - CA, não conhecia essa. Genial.
@Ju Mary - Hhahahaha, vc se aventurou a tentar entender uma letra do NX Zero? Especialmente essa, que não diz.. ué, nada? A parte que eu acho engraçada é essa, tbm, ‘todo seu destino é meu’. Tenho medo do que isso pode querer dizer…
@Angelo Dias - Cara, eu entendo que MPB é pra ser complicada. Tbm entendo que Djavan não pode cantar a música do pimpolho… mas olha, falar de ‘zum besouro’ é foda…
[Responder]
September 22nd, 2008 at 8:18 pm
fiquei muito feliz de alguem publicar esse tipo de materia, pois a informação está cada vez mais perdida no meio musical , é só $$$ dinheiro o que interessa $$$
http://www.myspace.com/bandacontainer
VALEW!
[Responder]
September 22nd, 2008 at 8:45 pm
concordo plenamente no que disseram: que as letras de NX Zero e CPM22 não dizem nada.
Só que esqueceram de mencionar Pitty, caras, aquela banda não existe.
Já ouviram a música Deja Vu e Equalize.
Não é à toa que a vocalista é casa com o baterista de NX Zero.
[Responder]
September 22nd, 2008 at 10:12 pm
Concordo com o Ry: faltou capacidade de interpretação, pois a mensagem das duas músicas citadas são bem claras (e pobres).
Esclareço que não gosto de pagode, nem conheço as bandas citadas.
Ah, o apogeu se refere ao sucesso (!?) do cantor.
[Responder]
September 22nd, 2008 at 11:30 pm
Estou fazendo uma pesquisa escolar e queria saber se você poderia por favor me indicar alguma(as) música(as) que falam sobre “Presença de grupo minoritário em anúncio publicitário”.
Obrigada.
[Responder]
September 23rd, 2008 at 3:50 am
ah… =/ ficou curto o texto. Vale uma continuação com mais músicas =)
[Responder]
September 23rd, 2008 at 12:02 pm
Ô, as músicas poéticas, são mesmo difíceis de compreender a menos que nossos pensamentos coincidam com os do autor. Agora é triste quando as letras são diretas e mesmo assim não querem dizer nada, apenas cultivar palavrões e banalizar o amor, o sexo, o homem e a mulher. Por ex: pagode, funk e breganejo romântico.
[Responder]
September 23rd, 2008 at 12:26 pm
Achei bem legal.
[Responder]
September 23rd, 2008 at 5:06 pm
Aguarde uma análise profunda, sócio-cultural e pseudo-intelectual da canção “Temporal”, com apogeu e tudo, no meu blog.
Em breve!
[Responder]
September 23rd, 2008 at 5:52 pm
to nos EUAAAAAAAAA comentando no seu blog, olha como vc eh chique!!!
Nao li o txt todo pq faltam 2 minutos aki no pc, mas apogeu eh o….o….isso mesmo! do cara.
[Responder]
September 24th, 2008 at 1:30 pm
Ainda do Art Popular (adoro esse nome sem ‘e’), tem uma chamada Nani. Não apenas a melodia choroooooosa, mas a música tem uma quebra lá pelo meio que dá a impressão que o sintetizador quebrou… aquilo sim é bizarro. Tudo tão mal feito, tão tosco, tão pobre… O ano é 1996 mesmo. Nani tocou (muito) logo depois de Temporal. Nani é Joyceana, acredite:
Quantas vezes Nani
Tantas vezes Nani
Eu te desenhei
Num papel de pão (imagina a cena)
Tempestade clara (metáfora complicada essa)
Sol do meu Saara
Eu te bronzeei (se ELA é sol do saara dele, como ELE bronzeou? Tipo, ele TAMBÉM é sol?)
Sem você notar… (eu faria o mesmo se fosse ela: carão!)
Beijo.
[Responder]
September 24th, 2008 at 1:35 pm
@Lannes - PQP heim, nos EUA, terra da tecnologia e sem grana pra pagar lan house? tsc tsc, vou te contar… hahahaha
@Nigel Goodman - Boa, Nigel. Eu não continuei porque assim, se deixar, eu escrevo um livro por dia. Aí achei que já tava grande demais e dei uma resumida. Enfim.
@Keid - HAHAHAHAHAHAH GENIAAAAAAAAAAL. Genial. Não conhecia essa, seria melhor do que qualquer exemplo, pqp. Eu disse que o Art Popular tem potencial. Brigadaaa Keid! Beijo!
[Responder]
September 24th, 2008 at 3:21 pm
Tem muito lixo por aí, mas também tem muita pérola. O que dizer da poesia irretocável de Chico Buarque e Noel Rosa? Certas coisas sao eternas! Desabafo: precisei entrar na fila. Parabéns pelo sucesso!
[Responder]
September 25th, 2008 at 5:45 pm
Pois é, a poesia é livre, mas nossos ouvidos podem ser tapados para tais rimas.
[Responder]
October 2nd, 2008 at 2:02 pm
Só digo uma coisa:
Caetano, o que é vaca profana?
Rs…
Ótimo post.
[Responder]
October 6th, 2008 at 3:42 pm
Sobre o “apogeu”:
Por causa do sucesso, o cara passa a trabalhar mais ficando mais ausente. Então a namorada reclama. Reclama do sucesso. Aí o relacioamento entra em crise, céu desaba, a casa cai, la maison est tombée. :p
Aff, não quero defender o grupo. Afinal, nem de pagode gosto, mas dá pra sacar.
[Responder]
Ana Freitas Reply:
October 6th, 2008 at 5:25 pm
Renata, depois que eu postei e a discussão iniciou, acabei cogitando essa possibilidade. Acho que é ela que mais se aproxima de algo que faça sentido. =)
[Responder]