Turismo de realidade: a maior prova de que as pessoas estão entediadas

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Postado por Ana Freitas | 105 Comentários
Postado em 22 de Dec de 2008

Puxa vida. Se tem um mercado que eu nunca vou entender, é esse de coisas para cachorros. Não as coisas básicas, tipo ossinhos, brinquedos, comidas recheadas ou coisa assim. Mas as coisas DESNECESSÁRIAS para cachorro, como camas, jóias, roupas. E eles sempre dão um jeito de fazer um trocadilho com a palavra CÃO nos nomes desses produtos, tipo… Cama para cachorros DORMINHOCÃO.

Eu acho que dificilmente algo pode ser tão estúpido quanto vestir um cachorro de papai noel no Natal.

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Não, tem algo mais estúpido que isso. É pagar para visitar favelas.

Cara, legal. As pessoas se orgulham de morar nas favelas. É uma comunidade, tem todo um ecossistema, mas assim, eu tenho umas ressalvas. Primeiro, o estado das casas não é exatamente algo que eu consideraria ideal. Tipo, se me dissessem ‘qual a casa dos seus sonhos’, eu não imaginaria nada que fosse construído com compensados de madeira. E duvido que essas pessoas que se dizem felizes na favela imaginem uma belo barraco com cerquinha branca na frente.

Mas beleza, na favela não tem só barraco, tem umas casas de alvenaria sem reboco e sem pintura. Esteticamente não é uma visão exatamente ideal, como eu disse, ninguém imagina a casa dos sonhos sem pintura. Mas não é tão ruim assim.

Outra ressalva provavelmente é a ausência de poder público em todos os níveis. Tipo, rede de esgoto e de saneamento básico falha ou nula, rede elétrica falha ou nula. Essas coisas são um problema, é preciso admitir. Dá pra ir levando, ok, mas é um problema.

Outra coisa é que o tráfico normalmente vive na favela. E faz os negócios lá. E pô, acho mó legal que eles protejam a comunidade, mas esse negócio de ter as próprias leis eu acho esquisito. Me incomoda um pouco. Me incomoda também, ligeiramente, o fato de eles andarem armados. Armamento pesado, à luz do dia (como se à noite fizesse diferença, mas vocês entenderam), passeando entre as crianças. Repito, nada contra, mas acho que não é o que ninguém idealiza como vizinhança perfeita. Tem os tiroteios com a polícia também, algo que me deixa um pouco desconfortável.

Coisas como essas me afastam da favela e me fazem desejar que as pessoas (as insatisfeitas com a favela) tenham condições de morar mais dignamente.

Ok, daí os gringos acham essas coisas exóticas, né. Pra eles é tudo muito exótico, muito ‘olha como esse seres primitivos se organizam socialmente’. E eles PAGAM para visitar as favelas, no chamado Ghetto Tour ou Tour da Realidade. Puta merda, minha vida inteira eu tenho pagado (e muito) para ficar LONGE delas. E os caras vêm de fora e acham tudo muito interessante.

Beleza. Acho legal, que daí eles gastam dinheiro na favela (mas como bem observou esse post do Cracked, não podem colocar MUITO dinheiro na favela, senão os pobres ficam ricos e aí o propósito se perde), mas é assustador que alguém um dia tenha tido uma idéia dessas. E é por isso que eu não sou rica, me falta esse faro elementar para negócios.

Pelo que andei lendo, o guia turístico deve ser alguém da comunidade, pra conseguir entrar com os gringos lá sem tomar pipoco dos traficantchi. E os traficantchi, que de bobos nada têm, recebem parte da grana para manterem os gringos intocados na inocente excursão.

Isso deveria ser crime, né? Mas acho que não existe nada na constituição que diga que é proibido pagar um traficante para que ele não mate estrangeiros acompanhados de um guia turísticos. Advogados, me corrijam.

Crime ou não, têm um site (aliás, 1995 ligou e pediu o layout de volta): www.favelatour.com

E daí é isso, eles vêm pro BRAZIL, pagam uma FACADA pra poder entrar na favela e comer, sei lá, churrasco grego, jogar sinuca e tomar cachaça no buteco e ver os soldados do morro empunhado os AK-47 à luz do dia. Basicamente tudo que gostaríamos de manter longe (e erradicado, se possível).

E eu posso imaginá-los escolhendo o roteiro de viagem e dispensando as Ilhas Malvinas ou os Alpes. Posso vê-los, entediados com seu dia-a-dia de primeiro mundo, cheio de civilidade e cidadania e Estado atuante. E daí eles pensam: ‘Pô, eu vou agora assistir às pessoas fudidas do mundo. Sim, é isso que vou fazer. E vou pagar por isso. Vou ver de perto.’

E olha, é até menos esquisito do que uma nova modalidade de turismo de realidade que está pegando: vivenciar a tentativa de imigrantes de cruzar ilegalmente a fronteira entre México e os EUA. Lembra da Sol, escondida dentro do porta-luvas debaixo do sol do Atacama Arizona? Pois é, amigo. Tem gente pagando pra viver essa experiência enriquecedora e inesquecível. Duvida?

Perto disso, nem dá mais pra falar um ‘a’ de quem veste o Chow-Chow de papai-noel no fim do ano. Na verdade, isso se torna até muito sensato.

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