Eu, que fui criada para respeitar os mais velhos sempre e sem questionar, devo dizer que nunca foi um problema ceder assento ou o meu lugar nas filas para idosos (ainda que eu seja contra a meritocracia baseada no tempo em que se viveu, porque aquele velho/a pode ser muito bem um escroto, e nesses casos ele deveria ser punido por viver tanto sendo um escroto ficando de pé nos lugares). Mas basicamente, eu respeito as leis em relação a velhinhos sem maiores problemas. Simples assim.
É importante notar, contudo, que se você for à cidade de Aparecida e resolver ceder seu lugar na fila para todo indivíduo com mais de 60 anos que estiver atrás de você, é muito possível que você fique eternamente sendo recolocado no fim da fila, em looping, sempre sem chances reais de se aproximar do caixa.
Vamo dá preferença pros idosos, gente
O lance é: se você é velho ou velha e você está em Aparecida, por favor, abra mão do seu direito de preferencial porque a coisa fica ridícula a partir do momento que o sr./sra. está em maioria no local, competindo para ver quem nasceu em 1935 e quem nasceu em 1936 e, portanto, pode se aproximar primeiro do caixa 7.
Eu fui a Aparecida duas semanas atrás pagar uma promessa da minha vó. É, eu sei, ela faz a promessa e eu pago, é estranho. Acontece que foi uma promessa feita enquanto eu me encontrava na UTI, minha vó é demais, e vai demorar até que eu seja mesquinha o suficiente pra negar algo tão simples assim pra minha vó. Além do mais, eu imaginei que seria uma experiência interessante ir conhecer a cidade.
E realmente foi (sem brinks). Foi curioso, por exemplo, observar que toda a grana que a cidade arrecada com turismo não é revertida nem em infra-estrutura para os moradores (sério, a cidade tem várias partes bem miseráveis) nem em infra-estrutura para os turistas. As salas do santuário enorme são todas ventiladas com a maravilhosa tecnologia do VENTILADOR que, todos sabemos, num calor de 40º vira um circulador de ar quente. Pensa em dezenas de velhinhas com os cabelinhos ralos empapados de suor, grudados na testa. :/
Aparecida vive - abusa, até - do consumo bizarro que tem como álibi a fé. É todo tipo de lembrança e souvenir bizarro, coisas que devem fazer com que Nossa Senhora Aparecida queira desaparecer de vergonha (GENTE, OLHA O TROCADILHO MARAVILHOSO). Dentre as bizarrices, elegi como vencedores as velas em formato de partes do corpo, de pés e mãos e braços a BAÇOS, pâncreas, rins e pulmões, e a VELA ELETRÔNICA ECOLOGICAMENTE CORRETA, que é nada mais nada menos que um brinquedo de plástico, a pilha, com um LED vermelho em cima. O produto é vendido sob o mote de que é econômico e consome menos matéria prima do que as tradicionais e ultrapassadas velas de cera. Quando eu questionei a validade da vela perante Deus (tipo, ‘senhor, vou ligar minha vela para pedir proteção’ é patético), uma senhora que estava na frente da minha vó argumentou, convicta e sorridente, que ‘Deus acompanha essas modernidades’. Ainda assim, ela optou pelo o modelo tradicional e conservador, aquele que demanda fósforo pra acender.
Tô perdida. Deus podia ter acrescentado um mandamento esclarecendo se essas velas valem ou não
Chegando na sala das promessas, O HORROR. Manja aqueles filmes de terror na cena em que encontram o covil (vazio) do assassino e ele está cheio de recortes de jornal, fotos de vítimas e PRINCIPALMENTE souvenirs bizarros? Isso é a sala das promessas. A começar pela encenação de belíssimo bom gosto (bonecos horríveis de argila em tamanho real dentro de barcos feitos de papel laminado, algo entre o trabalho de artes da quarta série e uma escultura disforme de argila que você faz e pinta com guache quanto tem cinco anos), as coisas ficam piores quando chegamos na parte em que as pessoas contam suas histórias - as de promessas que deram certo.
Edward Mãos de Tesoura pediu uma noiva - e conseguiu (não tô zuando, isso ESTAVA LÁ E É ASSUSTADOR, EU SEI)
É meio escrota a lógica da promessa. Entendo mais que se trata da fé e da confiança que a pessoa adquire quando a faz, a mas a ideia de que um Deus onipresente e todo misericordioso está disposto a trocar favores esdrúxulos com seres que ele tanto ama é negar a própria natureza que é atribuida a esse Deus. Mano, que tipo de pessoa diz “Ok, eu salvo sua filha do câncer, mas você precisa acender uma vela da altura dela e subir uma escadaria de joelhos”? É ser muito sacana. Fora que é possível presumir que, para esse Deus, quem não acende uma vela em uma cidade quente no interior de SP merece menos do que quem faz isso, o que também é bem escroto. Na boa, quem inventou essa lógica da promessa provavelmente trabalhava com testes laboratoriais envolvendo ratos.
Vencendo Nsa. Sra. Aparecida pelo cansaço
Mas aí grande vencedora, no fim, foi um manequim todo vestido de motoqueiro, do qual eu me aproximei crente de que se trataria de uma linda história de superação envolvendo Os Abutres, muito álcool e algum acidente de moto. Quando li o sulfite anexado ao manequim bizarro, a promessa alardeada se tratava do seguinte: o MOTOCLUBE DE VARGINHA não conseguia fazer um encontro de seus membros há dois anos, gente. DOIS ANOS. SEM. ENCONTRO. DE MOTOQUEIROS. DE VARGINHA. Daí eles disseram pra Nossa Senhora Aparecida que se ela conseguisse fazer com que a parada acontecesse, eles iriam até Aparecida (de moto, ou seja, viajariam de moto, o que é tecnicamente o que eles mais gostam de fazer, pois fazem parte de um motoclube. E eu aqui achando que promessa tinha que envolver um sacrifício) e vestiriam um manequim de motoqueiro.
Deu certo.
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andreia Reply:
December 27th, 2010 at 1:20 am
credo…
Responder