Eu nunca achei que fosse conhecer uma ilha paradisíaca. Também não era nada que tivesse no meu checklist de objetivos de vida - o que é uma pena, e um erro grave. E digo mais: se no seu checklist de objetivos de vida você não tiver ‘conhecer uma praia paradisíaca’, talvez seja legal acrescentar. E eu acho que vou te convencer depois dessas fotos.
Ontem eu fui a uma ilhota no Caribe chamada Ilha de Caras Isla Mamey, na costa de Portobelo, uma cidade na província de Colón, a cerca de uma hora de Cidade do Panamá. Era o principal porto pelo qual a Espanha tirava as riquezas daqui na era colonial, e o lugarzinho é considerado patrimônio mundial pela Unesco. Da estrada, dá pra ver o forte de uns 400 anos de idade, cheio de canhões enferrujados, e a aduana que controlava a saída de ouro e matéria prima que era enviada da colônia até a Espanha. O forte não foi forte o suficiente (HEH) para impedir que o pirata safado Henry Morgan, o mesmo que arruinou toda a Cidade do Panamá no séc. XXI, botasse fogo, saqueasse e matasse todo mundo também em Portobelo, em 1668. Daí depois os ingleses tomaram a região, os espanhóis pegaram de volta e essas coisas que acontecem na história. Era um lugar agitado; quem vê hoje, não diz.
O lance é que eu sempre achei que ilhas paradisíacas só fossem acessíveis pra gente rica ou pra quem tivesse acesso a grandes estúdios de cinema, com complexos de cenários artificiais. Mas chegar a Portobelo da Cidade do Panamá só leva uma hora e meia de carro. Dá pra pegar um ônibus de viagem por menos de 50 dólares, ou acertar com um taxista por uns 80 dólares. Chegando na cidade, além das casinhas expurgadas de pobres, que lembram a periferia de GTA: Vice City (Panamá é um pouco o GTA Vice City no geral, mas essa é uma teoria pra um outro dia), dá pra ver placas oferecendo barcos pras principais ilhas da região.
A mais famosa chama Isla Grande, e era onde a gente ia a princípio, mas ouvimos falar que a tal Isla Mamey, uma ilhota particular, de um espanhol que tem mais três ilhas na região (NA HUMILDADE) era mais limpa e mais vazia. Além de muito rico, ele é generoso, porque apesar de ser dono da ilha, permite que a galera chegue lá pra usar a praia numa boa. A ilha é tão pequenininha, tão cheia dos estereótipos de ilhas paradisíacas como aquelas de filmes, que a todo momento eu ficava pensando em coisas que poderiam ter sido filmadas ali, como um reality show louco, A ILHA, A LAGOA AZUL, A PRAIA, O NÁUFRAGO e, é claro…
Chegamos no estacionamento do portinho e já avistamos uns três moleques, entre 10 e 13 anos, discutindo com um cara mais velho que parecia o Seu Boneco da Jamaica, um negão com uma toca feita de meia-calça. Aparentemente, eles estavam disputando o direito de olhar nosso carro. Não acompanhei a discussão até o fim, mas acho que eles acabaram dividindo entre si os carros a responsabilidade dos quatro veículos - cujo estacionamento, aliás, nos custou 3 dólares por carro.
O próximo passo era acertar com um barqueiro o transporte até a Isla Mamey. Por 5 dólares por cabeça, um mulato gente fina chamado Manuel topou fazer a ida e a volta. Além de operar o motor da parada, ele garantiu que todos nós estivéssemos vestindo os lindíssimos coletes salva-vidas e fez as vezes de guia turístico, explicando o nome e um pouquinho de cada ilha pela qual passávamos. Ofereceu inclusive a versão COM EMOÇÃO do rolê, um caminho que passa por dentro de um túnel feito com vegetação de um mangue (El Tunel Del Amor, e eu juro que esse é o nome), um lugar lindo, que me lembrou a Amazônia se eu já tivesse ido a Amazônia, e que na saída pega uma correnteza e ondas dos diabos, o que quase upgradeou nosso passeio de traslado até a ilha para rafting em alto mar pelo mesmo valor. VALEU A PENA!
Pro Manuel, adiantamos 20 dólares da gasolina e combinamos de pagar o resto quando ele voltasse. E quando eu cheguei, demorou um tempão pra que eu acreditasse que um lugar tão foda fosse tão simples e barato de chegar. E vazio. E desconhecido. Como a Isla Mamey não está nos guias de viagem? Porque os panamenhos não alardeiam esse tipo de turismo pra todo mundo?
Ok que o esquema da Isla Mamey é BEM roots. A parte utilizável da ilha e da praia é minúscula, o resto é mato - lindo e bem aparado, até, mas mato. Não tem resort, barraca, o banheiro é improvisado dentro de uma construção do lado direito do terreno. Mesmo assim, dá pra acampar numa boa, levando comida pra assar e água engarrafada. Mas o lugar é lindo e limpo, e o dono espanhol generoso até mandou construir umas tendas pras pessoas poderem passar o dia, ou a noite, e uns plateaus de cimento ocasionais, pra montar barracas e tal. Ou seja: não explica porque ali só tinha, em maioria, turistas europeus. No dia inteiro que passamos, convivemos com uns 8 ou 9 grupos, entre casais e famílias cheias de crianças, em maioria - pelo que escutei - da Espanha, da Itália, da Grécia e de algum lugar do Leste Europeu. Onde estavam os panamenhos? Por que eles não vão a essas praias?
Colón e Portobelo são regiões extremamente pobres. Lembram, aliás, cidades rurais de baixa renda do interior de São Paulo - Itapecerica da Serra seria um bom exemplo pra comparar, só que com menos ou zero encostas. Acontece que, pros panamenhos, parece que esses lugares lindos não são frequentáveis porque, para ir até eles, é necessário passar por regiões mais feias. E aí, o Guarujá deles não fica na lagoa azul, fica nas praias do pacífico, na costa oposta. Não há nada de errado com isso, é claro, exceto que eles estão desperdiçando uma das coisas mais fantásticas que o país tem e inclusive esquecendo de contar pro mundo que essas coisas estão ali.
Mas tudo bem, PORQUE EU ESTOU AQUI PRA ISSO! Alô MINISTÉRIO DO TURISMO DO PANAMÁ, ME CONTRATE.
Daí a ilha tinha um ZELADOR. Ainda acho que o cara era só um aproveitador, alguém que vai pra lá de manhã e inventa um papo pra cobrar dos turistas desavisados. De todo modo, ele veio com uma história de uns 20 minutos sobre como ele entendia que ninguém tinha avisado mas que se cobrava sim e que o dono espanhol pedia pra ele cuidar e que não era de graça não blá blá blá… resultado: 3 dólares por cabeça. A gente achando que o cara fosse falar COBRO 20 POR PESSOA, LIBERA A GRANA OU VAZA NADANDO, ele pediu 3 dólares por pessoa, só. Achamos justo: ele ainda cedeu o banheirinho - ok, não era grande coisa, mas… - e descolou umas porções de frango frito. Além disso, aparentemente ele também organizava as latas de lixo e no fim do dia recolhia tudo.
Nota: importante avisar aqui que ele ‘descolou’ porque a parada funciona de um jeito um pouco heterodoxo. Você chega pro tio e pede uma porção de frango frito e ele cobra, sei lá, cinco dólares. Aí ele pega o CELULAR - o celular funciona! - e dali a uns 20 minutos CHEGA UM BARCO COM UMA PORÇÃO DE FRANGO FRITO. O tio não fica fazendo nada o dia inteiro na parada; tá ele, a mulher e umas três crianças lá, na ilha, o dia inteiro coçando, e nem pra temperar e fritar um frango, ELE MANDA TRAZER.
Nadei bastante na água cristalina e até fiz mergulho - com snorkel, gente, que sou simples - mas tinha peixe pra cacete, de todos os tamanhos e cores, além dos sirizinhos e dos caramujos. E eles são meio ousados, meio que vão indo pra cima. Não são tipo pombas do mar, sabe, que se assustam com presenças estranhas. Você chega e ele começa a nadar perto de você, parece que vai tentar ver se sua pele tem comidinhas.
De verdade, em alguns momentos não acreditei que estava em um lugar com paisagens tão incríveis, dessas que servem de catálogo em agência de turismo e se publicam em guias de viagem, e por tão pouco. A câmera trabalhou pra caramba, tirei umas 500 fotos, todas já no Flickr. Até entrei com a câmera dentro da água pra poder tirar foto das pessoas lá - quer dizer, eu entrei na água com a câmera em mãos, não coloquei a câmera na água porque isso seria estúpido.
Depois de um dia de sol ardido, muito estímulo visual e um cansaço mortal, no fim da tarde, pouco antes do horário combinado com o Manuel, estendi na grama um saco de dormir e tirei um cochilo embaixo do coqueiro. Uma meia hora depois, arrumando as coisas pra ir embora, vejo os filhos do ZELADOR DA ILHA atrás da nossa tenda pegando uns cocos e aí, de repente, eles começam a arremessar umas pedras no tronco do coqueiro. O motivo:
Meu pai, membro do PETApreocupado com a sustentabilidade do ecossistema da ilha, pediu e eles acabaram deixando o bicho vivo.
Na volta, paramos em um restaurante em Portobelo chamado Los Cañones e comemos comida típica da região, que é claro são aranhas caranguejeiras fritas frutos do mar com várias outras coisas, tipo arroz com coco, que eu comi e é bom pra cacete, além do melhor ceviche de polvo da minha vida. E como se não bastassem as paisagens lá da ilha e todos esses lugares maravilhosos - sério, se vocês vissem as fotos que eu apaguei hoje, me achariam louca, mas é que eu tirei tantas e todas são tão lindas que algumas ficaram até ruins, o que seria impossível - o meu dia de Lost terminou com outra vista fantástica, da varanda do restaurante:
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Ana Freitas says:
Eu fui ao paraíso e voltei para contar http://olhometro.com/2011/01/31/eu-estive-no-paraiso-e-voltei-para-contar/
Sandra Régia says:
Eu to gostando de conhecer o Panama atraves dos seus posts
karine says:
Estou gostando muito dos posts do Panama!
Patrick says:
Sacanagem vc escrever esses textos sobre o Panamá… Agora fiquei com vontade de conhecer e a minha lista de lugares a visitar fica crescendo.. Vacilo! =P
Tô adorando!
Besos!
Karine says:
Ana, tá muito foda esses seus posts, to entrando todo dia para ver se tem novos!!!
Ana K. says:
Nos te amamos, amamos o Panamá e morremos de inveja.
Mieko Shinke says:
Oi Ana, trabalho para uma rede de hotéis no Panamá, meu trabalho é divulgar o destino Panamá e os hotéis. Fiz um google alert para notícas do destino e fui parar no seu blog. Uma delícia! Estou aprendendo muita coisa do Panamá com você! Aproveite bastante sua estada aí! Abs,
Ana Freitas says:
Oi, Mieko! Que legal, bom saber disso. Tem muitos amigos meus querendo vir me visitar aqui, então esperamos que esses meus posts façam com que as pessoas venham mais ver as coisas bonitas que tem aqui!