Eu finalmente visitei a única coisa que realmente importa sobre o Panamá pra maioria das pessoas: o Canal. Agora, elas vão parar de me encher o saco quando eu disser que estive no Panamá, porque elas sempre perguntavam se eu tinha ido ao Canal e eu dizia que não. Não aguentava mais o ‘coooooomo assim você não foi no Canal?’, perguntado sempre com tom de indignação e voz estridente.
O negócio é que assim, puxa, que obra fantástica de engenharia, eu reconheço… mas sério, grandes navios passando? Não via e não vejo grande atração nisso. ME CRUCIFIQUEM, mas é isso. Vale a visita se você tiver tempo, mas não é nada que se diga OH MEU DEUS.
Sem querer desanimar ninguém, claro. É interessante.
De todo modo, na última sexta-feira eu e um amigo norueguês, que conheci no Couchsurfing, resolvemos que iríamos nos aventurar pelo transporte público panamenho, ou seja, que iríamos tomar os Diablos Rojos - assim se chamam os ônibus - para ir ao Canal. Foi mais tranquilo do que imaginamos, apesar de eles dirigirem muito, muito mal. Só que isso não é nada que assusta ou surpreende depois de um mês observando o trânsito panamenho, então você deve ficar bem se optar, como nós, pela EXPERIÊNCIA ANTROPOLÓGICA.
Assim, antropológica mesmo não foi, até porque, não é como se eu precisasse ver mais panamenhos, eu os vejo todos os dias por todos os lados. Mas foi legal quando entrou um tipo caipira, que aliás, é igual aos tipos caipiras do Brasil: chapéu de palha com aba virada pra cima (à moda sertão-Panamá), mascando um galhinho, calça jeans, bota, mochilinha. Coisa fina. E quando um vendedor ofereceu duas escovas de dentes por 1 dólar (eram daquelas boas, com mil cerdas e borrachas!), e quando uma senhorinha foi à frente do ônibus e disse:
“Algum cavalheiro poderia ceder o lugar a essa velha senhora?”
E um tiozinho lá atrás, uma espécie de Hector Bonilha depois dos 50, fez a gentileza. É que os ônibus panamenhos não têm assentos preferenciais, obviamente. Outra coisa legal (“legal”) é que aqui os bancos dos ônibus são, como quase todos os bancos de ônibus do mundo, projetados para comportar duas pessoas, ainda que meio desconfortáveis. Até aí, nada de mais - o lance é que eles fazem do limão limonada, e é comum ocupar um banco com três pessoas. E elas simplesmente vão chegar e sentar-se, apertando você e seu brother de banco. Se um dia você vier e isso lhe acontecer, não estranhe (ou estranhe, mas de todo modo, você já foi avisado, então apenas dê uma risadinha e lembre-se desse blog).
E aí, bem, o Canal.
A história é assim: desde que descobriram essas terras, já sacaram que a distância entre o Atlântico e o Pacífico por terra era tipo supercurta. Há registros de cartas dos exploradores para o rei da Espanha mencionando que seria legal ter um canal aqui pra não precisar dar tooooda a volta. Eu fico me perguntando como é que o cara saiu andando, chegou em outro pedaço de água e soube que não era o mesmo. Porque ele certamente não contornou a costa do continente inteira a pé pra ter certeza, e a terra podia muito bem acabar ali na frente, mais adiante. Podia já existir um vão no meio, aliás. Não sei como eles sabiam, MISTÉRIOS DA FÉ.
De todo modo, primeiro os franceses tentaram construir o Canal e fracassaram - esquema MAD MARIA, nego morrendo por causa de Malária e Febre Amarela. Foram 20 mil trabalhadores franceses pra vala. Daí anos depois vieram os americanos fazer o negócio direito. Aproveitaram escavações começadas pelos franceses, mandaram bala e, com mais grana, investiram em pesquisas pra tentar achar uma solução pra Febre Amarela. Erradicaram o mosquito, o que diminuiu as epidemias, e no fim, os surtos acabaram imunizando a população do Panamá contra Malária - hoje, tem Malária na América Central e Latina inteira, praticamente, menos aqui.
A construção do Canal era um acordo dos EUA com o governo daqui e era super justo: os EUA pagavam 10 milhoes de dólares, construiam o Canal e praticamente toda a arrecadação do Canal depois de pronto iria para os EUA, e a área se tornaria território americano. PERPETUAMENTE. FOR GOOD.
E aí você diz: ‘mano, como eles toparam?’
Naquela época, no começo do séc. XX, o Panamá ainda fazia parte da Colômbia (ololco, dessa você não sabia). Os EUA tentaram negociar a construção do Canal com a Colômbia, que ficou enrolando. Daí, DIZEM QUE eles apoiaram os rebeldes panamenhos que queriam a independência, colocando inclusive barcos na costa da Colômbia sob o pretexto de ‘treinamento’, só pra por aquela pressão, né? O Panamá conseguiu a independência e devolveu o favor. É, o mundo é sujo.
Aí, milhares de trabalhadores do muuuuundo inteiro, dezenas de milhares mesmo, vieram ajudar a cavar um riozinho entre o lado A e o lado B do mar, igual a gente faz quando quer ligar aqueles dois pocinhos de água que fez na areia da praia. E já tinha um lago no meio, o que só ajudou.
Dez anos depois, em 1913, estava pronto o Canal do Panamá. Ficou lindão, os EUA começaram a cobrar uma bica dos barcos que passavam, obviamente porque qualquer valor cobrado provavelmente seria menor do que dar a volta lá por baixo no continente, e começaram a fazer grana. Nos anos 70, rolaram uns protestos dos panamenhos, coisa EGÍPCIA ASSIM, PANCADARIA, e o Panamá conseguiu um acordo com os EUA para retomar aos poucos o controle do Canal, chegando a 100% em 1999.
E assim foi. Exceto que quando os EUA saíram, em 1999, eles deixaram um monte de gente sem emprego, HEH. E geral achou que o Panamá, então com desemprego recorde, não ia saber gerir o Canal sozinho nem realocar essas pessoas apropriadamente no mercado de trabalho. Mas ó, tá rolando. Eles reformaram as estruturas, aumentaram o tráfego de barcos e a arrecadação, estão construindo novas eclusas e é por causa da grana que tiram de lá que as coisas aqui melhoraram - tipo a segurança, ou a modernização da cidade, por exemplo.
Moral da história: o vilão é sempre os EUA. Exceto quando ele é o terceiro país que mais lê o blog, depois de Brasil e Portugal. Aí ele é mocinho.
O Canal tem um prédio turístico, com um museu bem legal que conta a história da construção e vááárias espécies de insetos e peixes que vivem ali na região biodiversidade essa que foi toda prejudicada com a construção do Canal, provavelmente, mesmo que isso não seja mencionado em nenhuma plaquinha explicativa do museu. Acho que foi a parte em que mais diverti, gosto de insetos.
E tem uma varanda grande, de onde é possível ver - tchanam! - as eclusas funcionando e os grandes barcos passando! É interessante, mas um pouco monótono porque demora uma meia hora ou até demais dependendo do tamanho do barco. Basicamente, o sistema tem várias comportas que se abrem e fecham para encher os compartimentos de água, igualar os níveis e transportar a embarcação… é, eu sei que não fez sentido. Mas é meio difícil de explicar, mesmo, então olha aí como funciona:
Ah: tem uma loja de souvenirs, óbvio, mas concluí que é, sem dúvida, o estabelecimento comercial com preços mais desproporcionalmente caros do país.
Quero ir ao Canal!
A parte que inclui vir ao Panamá eu não preciso explicar, né? Bem, considerando que você já está aqui, o melhor horário em dias de semana é chegar lá até umas 13h30, no máximo. Mais tarde do que isso, começa a encher.
Você é rico e quer contratar um guia? Ótimo, mas é meio desnecessário. O museu é cheio de plaquinhas bem explicativas e, além disso, se você comprar a entrada completa, de 8 dólares, tem direito a um filme de 15 minutos com toda história do Canal e muita propaganda governista e a conhecer o museu. A entrada que dá acesso somente à varanda pra ver as eclusas custa 5 dólares.
Há dois jeitos de ir até o Canal, que fica cerca de 30 minutos do centro da cidade (sem trânsito, e se você conseguir isso no Panamá, você não está no Panamá). É possível negociar com um taxista por uns 40 dólares, se você falar um ótimo espanhol, que ele te leve ao Canal e depois de volta ao hotel. Se negociar em inglês, o preço pode passar dos 60 dólares. Essa é a opção COXINHA.
O outro jeito é se aventurar nos fantásticos ônibus panamenhos, que aqui custam no máximo 35 centavos de dólar. O roteiro é o seguinte:
1. da cidade, tome um ônibus até a estação de Allbrook. Há vários, basta se informar na recepção do hotel em qual ponto você deve pegá-lo. Outra opção é ir de táxi até a estação - das regiões centrais e hoteleiras, não deve sair por mais do que 2 dólares.
2. quando chegar na estação de Allbrook, siga até a praça de alimentação, ache o Burger King escondido lááá no fundo e vire à direita ali. Você vai sair no pequeno terminal de onde saem os ônibus para o Canal - o nome do ônibus é Saca. É um Diablo Rojo igual aos outros, aliás. Dali, pegue o busão. Até agora, você deve ter gastado no máximo 3 dólares e no mínimo 75 centavos com transporte. AH: no Panamá, você paga o ônibus na saída.
3. para descer, peça ao motorista para avisar ou então desça no ponto em que saírem as únicas pessoas loiras ou caucasianas que estiverem no ônibus, ou seja, os gringos.
4. na volta, você pode esperar pelo mesmo ônibus no ponto do lado oposto da estrada, e ele demora meia hora, dar a sorte de avistar um taxi e fazer sinal (e gastar uma bica) ou então aproveitar os ‘taxis clandestinos’. Espere no ponto e cedo ou tarde um carro vai parar e perguntar ‘Donde te quedas?’. Diga a onde vai e ele dirá um preço, geralmente muito mais baixo do que um taxista cobraria de um turista - algo como entre 2 e 3 dólares. Se são seguros? Eu usei um e foi. O cara dirigia feito um maluco, mas no Panamá, quem não dirige? Peguei muito taxista pior que ele. E ainda rolava um reggaeton de trilha sonora.
Milton Leal says:
Ô puta que pariu, vamo respeitá o povo trabalhador e escrever posts menores, dona Ana? Ok, curti bom ler tudo, mas a vida não tá FACIU. E se eu fosse engenheiro, faria o Canal do Paraná, só pra tirar uma onda.
Ana Freitas says:
É, esse ficou grande né? Mas pô, não vou cortar texto no meu blog. Já bastou ter que cortava no jornal..
Milton Leal says:
“Jornalismo é cortar palavras”, GROSSI, Eduardo
Editor do Guia do Mochileiro das Galaxias says:
Adorei o texto. Muito informativo e bem-humorado. Você tem o perfil certo dos nossos contribuidores. Gostaria de participar da nova edição do nosso Guia?
Ana Freitas says:
Claro. Na verdade, sou fã do Guia. Desde que o li e carrego comigo minha toalha, como sugere o Guia, minha vida mudou. Seria uma honra colaborar.