Aqui nos Países Baixos

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Postado por Ana Freitas | 12 Comentários
Postado em 29 de Mar de 2011

Eu precisei dar uma sumida, veja, porque de repente surgiram três crianças na minha vida. Surgiram também moinhos de vento, igrejas medievais, flores cheirosas, morangos que de tão doces parecem que vêm com açúcar de fábrica, bicicletas e pessoas gentis que falam uma língua estranha, uma mistura de alemão, francês e sons guturais.

Eu não tomei um ácido, gente, embora seja quase isso. Eu me mudei para a Holanda para trabalhar como babá.

Meu trabalho é bem diferente do que eu fazia como jornalista, como você pode imaginar. Cheguei há uma semana e parece que passou um mês - tanto pela quantidade de coisas diferentes que eu vi e fiz, quanto porque, bem, eu já trabalhei um bocado. E nesses dois aspectos, creia, o trabalho chega bem perto do que eu estava acostumada no jornalismo.

A Holanda, ainda bem, é mais do que tudo aquilo que eu mencione lá em cima. Também é pessoas fumando maconha dentro de bares e prostitutas dançando com pouca roupa em vitrines.

Amsterdam

OLHA AÍ O BECK LEGALIZADO

Aqui, se vê muito do Brasil na simpatia e hospitalidade do povo - como estrangeira, eu fui bem recebida onde fui, e todo mundo tá sempre disposto a me ajudar - e na paixão pelo futebol. Ah, sem falar no hábito constrangedor de ouvir música alta no trem, que também está por aqui.

Mas num resumo, é só isso. Porque, diferente daí, aqui os campinhos (digo, quadras) de futebol são apinhados de meninos loiros, muito loiros, alguns até bons de bola, veja só. Aqui, todo adolescente de 16 anos que você vê na rua está fumando um cigarro. Muitos se acham muito, muito malandros (tadinhos, não durariam por dois minutos no Capão Redondo).

Aqui, crianças de 3 ou 4 anos atravessam a rua sem olhar, e apesar de ser um hábito ruim, elas o adquirem simplesmente porque PODEM, já que têm a certeza de que os carros vão parar (e eles vão). Velhinhas de 80 anos vão ao supermercado de bicileta, e aqueles já com dificuldade de locomoção usam um fantástico andador com um compartimento - como ninguém pensou nisso antes? Nos pontos de ônibus e nos lagos, em vez de pombos ou lixo, a Holanda tem patos, aqueles dos desenhos, com penas verdes e azuis.

Apesar de comerem pão doce com queijo no almoço, eles inventaram, veja você, a C&A, as Bakfiets, uma torneira de onde sai água fervendo (sério, uma das invenções mais úteis da história), a Kombi (mano, foi um holandês que inventou a Kombi), e bem… eles aperfeiçoaram MUITO a tecnologia de diques.

108: Stephanie's Bakfiets

Caso você esteja se perguntando, ainda, o que são Bakfiets: é esse negócio aí em cima. ATENÇÃO ESSA NÃO SOU EU

É que a Holanda (Países Baixos, gente, é o real nome do país) é um país, hum, baixo. Isso significa que boa parte do terreno aqui está abaixo do nível do mar. E aí, pra tornar a terra habitável, os holandeses precisaram BOTAR A MÃO NA MASSA. Pensa que é Ilha de Vera Cruz, onde se plantando, tudo dá? Que é só chegar, montar a barraca e ficar? Não é assim. Ok, pra começar, é abaixo do nível do mar, ou seja, precisava tirar aquela água dali. Em segundo, faz um frio legal no inverno.
Explico-me. Eles precisaram dar um belo trampo pra poder morar nesse lugar, fazê-lo habitável. E para que ele se mantivesse assim, precisaram impôr regras. Precisaram colaborar uns com os outros.

Penso que é daí que vem a gentileza dos holandeses, entre si e com os estrangeiros, seu respeito quase irrestrito às regras (e, bem, o excesso delas também), seu metodismo. É da falta de sol que vêm o hábito, que para nós é hilário, de em um dia quente, sentar-se na calçada com as cadeiras viradas para o sol, como se o astro-rei fosse um espetáculo a ser assistido.

Haarlem

Sessão de sol, meia-entrada, as 3h15. Sala 8

É provavelmente daí também que vem a habilidade de conservar os prédios históricos, já que deu trabalho pra que eles pudessem ser erguidos lá, naquele solo aterrado. Além do mais, não dá pra simplesmente viver ao ar livre por causa das chuvas e do frio, então ninguém vai querer de fato destruir um abrigo que é necessário para a sobrevivência.

Também da necessidade de se concentrar em sobreviver vem o liberalismo a tolerância, o espírito open-minded (troquei a palavra porque, bem, apesar de todo mundo entender o que eu quis dizer, como bem apontou um anônimo chamado Rafael nos comentários, estritamente ‘liberalismo’ ainda é sistema político-econômico). Mesmo durante a inquisição, os holandeses recebiam seguidores de outras religiões. Eles não tavam nem aí para quem era seu Deus, porque tinham que se preocupar em manter os diques em pé e a água longe. Essa tolerância é o que permite que a Holanda, hoje, seja tão livre. É o que permite que em Amsterdam você possa se vestir COMO QUISER e não receba nem um olhar esquisito por isso. Tudo é aceito. Tinha um ratinho no Burger King da estação central da cidade e, na boa, ninguém sequer fez nada além de dizer ‘olha, um rato’. Nem levantamos o pé.

Nada disso explica o pão-durismo deles e o fato de eles economizarem até na salada.

Haarlem

O pôr do sol de um domingo em Haarlem, uma das cidades mais antigas. Tem prédios de 400 anos lá

Essas coisas explicam, contudo, alguns efeitos colaterais. Eles são obcecados com conversas sobre o tempo - sério, um dos assuntos preferidos é falar se nos próximos dias vai estar nublado ou se vai ter sol. Claro que não entra na discussão se vai estar frio ou não, porque certamente estará. O que se discute é se será frio com sol ou frio com chuva.

Além disso, eles são meio metódicos DEMAIS, o que é bom mas pode ser ruim às vezes. O excesso de regras e a necessidade de seguí-las torna os holandeses meio engessados, com uma certa falta de trato social e jogo de cintura. E por fim, esse olhar que aceita tudo tem seu lado negativo, já que eles não se surpreendem com nada. Bem, com exceção do sol - com isso, eles sempre se surpreendem.

Ah, botei umas fotos lá no Flickr.

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