O lado bom de um trote sacana

O trote do seqüestro já entrou e já saiu de moda. Mas levante a mão quem não conhece alguém que tenha recebido uma dessas ligações (não precisa levantar. Não to te vendo. É só um recurso estilístico).

Para os (prováveis poucos) que não sabem do que estou falando, o trote do seqüestro consiste no seguinte: um fulano liga no seu celular, berra dizendo que seqüestrou seu filho/irmão/irmã/tia etc e diz que se você desligar o telefone, seu parente morre. Aí, pede para você depositar X dinheiros numa conta que ele vai te passar. Só que é tudo mentira. Muitas ligações vêm de dentro de presídios, e os caras chegam a pedir como resgate cartões de recarga de celular.

Eu mesma conheço um monte de gente que caiu, inclusive na minha família - e o stress é bravo. Perde-se dinheiro de uma forma estúpida, que poderia ser evitada, e ainda há um parente normalmente em choque, fragilizado, para lidar. Essa é a pior parte.

Danilo Gentili também falou sobre o golpe do seqüestro

Mas o trote tem sua função sócio-educativa, sim. A família, essa instituição falida da sociedade brasileira, estava mesmo precisando de um chacoalhão. Diante da adversidade, as pessoas se unem. E todo mundo que passa por uma experiência de quase perda de alguém que ama começa sim a dar mais valor àquela (e às outras) pessoas.

No fundo, tudo encontra seu papel nesse ecossistema louco que é a sociedade. Se é preciso um golpe cruel para que um pai, sempre de cara fechada, diga ‘eu te amo’ ao filho, que seja assim. O que são 10.000 mil reais perto de uma demonstração de afeto como essa, não é mesmo? Nada paga a evolução que esse relacionamento vai sofrer. Nada paga aquele abraço há tanto esperado.

Meu irmão é um camarada sossegado, sabe? Desses que não se impressiona facilmente. E não que ele não demonstre normalmente, mas acabei de receber uma mensagem de texto dele dizendo que me ama. Não entendi a subitaneidade da declaração, mas ele explicou: tinha acabado de receber o trote. Já avisado, não caiu, mas é uma situação estressante, de qualquer forma. ‘Puxa, que droga’, eu disse. ‘Mas eles falaram que eu estava seqüestrada?’ Ele respondeu, em seguida: ‘Não, eu só ouvi uma vozinha, mas resolvi conferir’. Ah, o amor fraternal é cego. E surdo. E nessas, provavelmente ele conferiu a integridade da família inteira. É a corrente do bem gerada por um trote sacana.

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September 23rd, 2008 | 6 Comentários

Semana do trote: uma cobertura exclusiva

Eu sei que tem muita coisa rolando por aí. É Campus Party (devo falar dele amanhã ou quinta, depois que eu for), minha última semana de vida, Lost bombando, Amy no Grammy e tuuudo isso. Mas resolvi, nos próximos dias, fazer uma cobertura completa do chamado ‘trote’, lá onde eu estudo, incluindo uma descrição completa sobre o inferno da sexta-feira - vocês só vão saber o que é na sexta.

Na minha faculdade, os trotes são expressamente proibidos e desencorajados pela diretoria. Exatamente por esse motivo, eles ocorrem com freqüência e intensidade assustadoras. No mais, o trote é apenas mais uma desculpa dos jovens para usarem drogas e fazer sexo.

Não que eu ache que eles precisem de uma desculpa, mas a maioria parece achar, dada a maneira como enchem a cara das bixetes e para que elas dançem o ‘créu’ (protegidas apenas por trajes minúsculos, ensopados de cachaça). Tipo uma versão alcoholic e estudantil do concurso gata molhada.

Tá, eu sou velha. Eu sei. Só que não consigo acompanhar, sério. Primeiro, o lance de tratar os calouros super mal e obrigá-los a fazer coisas ridículas. Po, tem limite pra tudo. É legal pedir dinheiro no farol, pintar o rosto, até cortar cabelo dos meninos que tiverem dispostos a isso - tudo isso rola, é engraçado pra cacete e ainda torna o lance de conhecer gente muito mais fácil. Eu não sou muito de beber, mas pra ser sincera não tenho nada contra quem faça, até acho bem divertido de ver. Só não admito ficar humilhando gente de graça. Depois de dois ou três segundos na brincadeira de ficar falando pro bixo chamar a gente de senhor, eu já esqueço da estória e nem lembro mais que a idéia é fazer eles se submeterem a mim. Pra mim, não faz sentido.

Todo mundo pode vir e dizer que é uma brincadeira, mas porra, não é. É a manutenção do lance do autoritarismo nas relações sociais, que rola até na hora de entrar na faculdade. E a maioria das pessoas é bem sossegada, mas muita gente aproveita do momento pra descarregar algum tipo de raiva reprimida e acaba se apoiando na desculpa da ‘tradição’ pra tratar os outros como lixo.

Sou a favor de tudo que é engraçado, mas não topo obrigar ninguém a fazer nada que não queira… Acho que a doença de velha me deixou meio rabugenta.

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February 12th, 2008 | 4 Comentários

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