Uma vez, a minha tia disse que ia me ensinar um truque para fazer o tempo passar mais devagar ou mais rápido. Eu tinha que me concentrar, estender as mãos (uma de frente para a outra) e imaginar que o tempo estava entre as duas palmas. Daí, quando eu sentisse o tempo ali (é, a idéia é que eventualmente eu sentiria o tempo, seja lá o que isso signifique), eu deveria aproximar ou afastar as mãos para comprimir ou expandir o tempo.
Nunca deu certo (você está me imaginando tentando isso?), então tive que pensar em outras técnicas para conseguir tempo livre. Afinal, eu durmo oito horas por noite (por necessidade), trabalho mais oito, passo três dentro do trem… sobram cinco. Meia hora para tomar banho (acredite se quiser!), três horas e meia na faculdade, daí sobra uma hora. Pra viver, assim.
Se eu, aos 20 anos, tenho só uma hora de tempo livre por dia para estudar, me divertir, ver minha família, meus amigos… o que será de mim aos 40?
Mesmo considerando a anulação do horário de estudo, me sobrariam aí apenas 4 horas e meia por dia para fazer todas as coisas que dizem respeito a mim e a minha vida, incluindo lazer, hobbies, viajar, ter amigos e família, descansar, ler e todas essas coisas bestas, que acabaram se tornando supérfluas na vida moderna, mas que são elas mesmas a vida. A gente só se esqueceu que viver é isso, acho.
E foi daí que eu conclui que tem algo errado na maneira como a gente leva a vida.
Todo mundo brada aos sete ventos que o trabalho dignifica o homem e eu não estou contestando a capacidade ‘edificadora’ de caráter que o trabalho pode ter. Mas nós não fomos feitos para trabalhar tanto, por tanto tempo. Há uma vida para ser vivida fora do trabalho. E não é justo ter que trabalhar 35 anos para então se aposentar com qualidade de vida péssima e não ter saúde nem disposição nem todas as outras coisas para viver a vida que você não pode viver aos 20, porque estava trabalhando.
Por isso que eu odeio quando digo que estou trabalhando demais e algum retruca ‘ah, que bom, ruim é se não tivesse trabalhando, né?’. Ruim o cacete. Quem é que gosta de trabalhar? Ou melhor, quem é que, entre trabalhar e viajar, escolheria trabalhar?
Claro que você pode minimizar os danos da labuta escolhendo fazer algo que gosta, mas ainda assim em 90% das vezes você estará sendo submetido a milhares de outras regras e obrigações, ainda que faça o que você gosta. OK, eu faço o que eu gosto, mas preferiria fazer por duas horas do dia, e não por oito.
Natural que o conceito de trabalho tenha sido subvertido. Se antes ele era o meio pelo qual o ser humano descolava o que precisava para sobreviver, para ele e para a tribo - nada além disso - hoje é ferramenta de aquisição de lucros, lucros, lucros. E como lucro nunca é demais, trabalho também não é.
Estamos tão imersos na cultura ao deus-trabalho que a mera contestação dessa imersão é vista com maus olhos. Mas qual o real problema em querer trabalhar menos? Por que isso é tão horrível, denota tanta fraqueza e falta de caráter?
Uma vez, eu li um artigo de uma pesquisadora que dizia que a economia mundial não seria afetada caso a carga horária média do trabalhador fosse reduzida para pouco mais da metade do que é hoje. Óbvio que não encontrei a tese de novo para linkar aqui: ELES devem ter providenciado o sumiço absoluto desse material para todo o sempre. Pode ser perigoso deixar manuscritos altamente subversivos a solta por aí.
No Manifesto Contra o Trabalho (texto cuja leitura eu recomendo fortemente), de um grupo alemão chamado Krisis, a citação final é uma frase que sintetiza aquilo no que o trabalho se tornou:
“Nossa vida é o assassinato pelo trabalho, durante sessenta anos ficamos enforcados e estrebuchando na corda, mas não a cortamos.” (Georg Büchner – A Morte de Danton, 1835).
Não entendo nada sobre o sentido da vida. Não sei por que estamos aqui. Mas sei porque não estamos: para trabalhar mais do que viver.
Posts relacionados
November 27th, 2008 |