26.10

2007
9:10 am

Black Holes and Revelations é trilha sonora para Cem Anos de Solidão

Postado em Literatura, Música

Eu tenho déficit de atenção e nunca fui muito boa pra me concentrar. Isso significa que qualquer assobio ou qualquer grupo de pessoas falantes é capaz de tirar o foco do que eu tô fazendo, seja lá o que for. Os livros bons costumavam ser imunes à essa distração permanente, mas depois de um tempo nem eles mais eram capazes de me manter muito tempo concentrada em alguma coisa. Ler com música, nem pensar.

Era o que eu achava. Depois que comecei a trabalhar longe, precisei buscar alternativas ao tempo ocioso e lento que eu passo dentro dos trens. Um mp3 player parecia o mais sensato, e mesmo que no começo a música fosse um exercício fantástico de trilha sonora, onde eu adaptava tudo o que via àquilo que estava ouvindo, com o tempo fui percebendo que podia usar o tempo livre pra voltar a ler como eu lia antes, até os 14 anos: muito, profundamente, compulsivamente.

Mas o falatório do trem me atrapalhava. Não conseguia entrar no livro, como sempre fazia. Enfiar um fone mudo no ouvido não ia adiantar nada, então comecei a ouvir música enquanto lia. No começo, o que pareceu uma luta contra algo que era natural em mim se tornou a mais incrível das descobertas. Os livros começaram a ter trilha sonora. Era só saber colocar o disco certo no trecho certo e voilà, a experiência de imersão no texto era triplicada.

Vou usar como exemplo o livro que estou terminando hoje, Cem Anos de Solidão, pelo qual estou absolutamente encantada - mas desse encantamento, especificamente, falo outro dia. Calhou de eu estar com os CDs do Interpol, Our Love to Admire, e do Muse, o Black Holes and Revelations, no mp3, quando comecei a ler o livro.

Os dois casam de maneira singular com o romance, especialmente o Black Holes. Lembra do duo Dark Side of the Moon/Alice no País das Maravilhas? Se o CD durasse o tempo de leitura do livro eu diria que a relação é a mesma. Take a Bow, a primeira do disco, climatiza com perfeição o começo do romance, a parte onde José Arcádio, o patriarca, funda Macondo, e dá também, por si só, o tom de fantasia, de angústia e das loucuras que permeiam todo o livro.

Starlight serve pras passagens à noite, e perdão pelo óbvio mas juro que quando pensei nisso não pensei de primeira na relação com o nome da música. Até Supermassive Blackhole, a mais Britney Spears do CD (quase Toxic) fica muito bem nas cenas de amor louco que acontecem na história inteira, o tempo todo. Soldier’s Poem é a temperatura de Macondo no verão, no fim de tarde, antes de tudo: antes dos Buendías procriarem como loucos, lá quando as coisas não tinham nome mesmo.

Exo-Politics e Assassin (minhas duas preferidas) são, respectivamente, a juventude e as guerras do Coronel Aureliano. E Invincible é a canção da velhice e das predições dele.

City of Delusion é Macondo, depois do massacre, 3.500 pessoas mortas carregadas num trem de vinte vagões sem ninguém se dar conta disso, Hoodoo são os 3 anos de chuva (3?), e Knights of Cydonia também carrega uma aura que permeia toda história, o fantástico e mítico, o heróico e o covarde, as guerras, as bravuras e todo o ódio e o amor. Sem falar nas borboletas de Maurício Babilônia, que com o Muse estão sempre lá, naqueles teclados meio siderais.

Juro que a intenção não foi tentar ser poeta - e o texto está até meio confuso -, mas só tentei expressar o sabor da experiência de encontrar um livro que se encaixe com perfeição a um disco. Black Holes And Revelations, pra mim é tão Cem Anos de Solidão, que não consigo ouvir sem me lembrar do Coronel Aureliano, de Úrsula e de Melquíades. E acho que vai ser pra sempre assim.

Me empolguei e esqueci de falar do Interpol. O densidade do excelente Our Love to Admire, as melodias arrastadas e os vocais anasalados também climatizam Macondo, de certa forma, no calor da sesta e nos dias que se arrastam, no tempo que trava dentro da sala que guarda as tranqueiras do cigano. Não faz um trabalho tão bom quanto o Muse, contudo.

Se alguém, por acaso, resolver experimentar - ler o livro acompanhado da trilha sonora - por favor, me avise se estou viajando. Pra mim tem feito todo o sentido. Não consigo mais ler Cem Anos sem o Muse no play. Paciência.

É difícil dizer que essa foi a intenção dos caras do Muse. Pelo clipe dá pra ver que eles são uns palhaços. Hhahahah.

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1 comentário (Comente! Trackback)

  1. Cézar Antonio
    02/07/09 | 3:21 pm | #

    Nem li o artigo, mas só pelo titulo, já vale um comentário..rsrs.
    Parabéns pela inteligência do blog…

    Se souber de alguma trilha para ler “A queda de Murdock” ou “A revolução dos bichos” posta para gente aí…

    Cézar

    Responder

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