17.06
2009
4:00 am
Entenda o papel da internet, das redes sociais e do Twitter no cenário no Irã - e não vai ser chato, eu juro
Postado em Internet, Tecnologia, jornalismoA história de luta no Irã é complexa e data de vários séculos - acredite ou não, começou com a invasão do território pelo Império Otomano, em 1500 e alguma coisa. Sei muito pouco sobre o Irã, antigo império Persa, mas aprendi bastante desse pouco depois que li, há um mês, o fabuloso Persépolis, de uma moça chamada Marjane Satrapi.
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Nós, ocidentais, sabemos muito-pouco-quase-nada sobre o Oriente. Achamos que é tudo deserto, camelos, Alah e burcas. Felizmente, assim como nós no Brasil somos um pouco mais do que criadores de macacos selvagens, o Irã tem uma longa, loooonga história de oposição política à ditadura islâmica, marcada por muito sangue misturado a, adivinhem, petróleo. Não vou dar aula de história aqui - leia o livro, vale a pena, é uma graphic novel: ou seja, quadrinhos, as edições encadernadas num livrão. A questão é que a polêmica da fraude da reeleição de Ahmadinejad está se tornando um case fantástico para mostrar o poder das novas mídias e isso me deixa estranhamente feliz.
Os defensores da democracia lutam por ela naquele país há quarenta anos, sem esmorecer. Eles passaram por torturas, desaparecimentos, opressões semelhantes ou piores às que a gente passou aqui nos anos de ferro. A censura lá é brava, não há absolutamente liberdade de expressão, algo que pra gente do ocidente e que nasceu no fim dos anos 80 é inconcebível. E boa parte dos que continuam lutando e morrendo pela democracia (alguns, inclusive, pelo direito de não ter dogmas religiosos instituídos) são estudantes. A Universidade de Teerã, por exemplo, ficou cercada pelas forças nacionais na última semana.
Até aí, nada de novo. Jovens curtem essas paradas subversivas, essa é a história. Aqui a gente assiste Malhação, lá eles confrontam as forças nacionais, acontece. A coisa é - eles estão se organizando pelo Twitter. E de maneira brilhante, sem precedentes.
O Twitter já foi usado de forma igualmente brilhante em coberturas de desastres, em outros casos de acusações de fraudes eleitorais e já mostrou que é uma ferramenta de valor incontestável nesse sentido. O governo iraniano, inclusive, tentou bloquear as conexões ao site, mas os usuários contornaram e usaram proxies. Depois, o governo bloqueou a busca pela tag que estava sendo usada pelos iranianos para cobrir os massacres e as repressões, #iranelection, e eles se organizaram e trocaram de tag (para #Teeran); e por último, mas não menos importante - os iranianos mobilizaram usuários do Twitter ao redor do mundo inteiro para que troquem a nacionalidade de seus perfis, todos, para Teeran, fuso horário +3:30 GMT.
Isso é para confundir os censores iranianos, que podem buscar os perfis de quem tem twittado com as tags em questão, e perseguir aqueles que se dizem de nacionalidade iraniana. MAS se todo mundo no mundo viver em Teeran, bem, talvez eles tenham dificuldade em identificar quem tá falando a verdade e quem não tá.
Pela internet, os iranianos fizeram toda a cobertura que o governo impediu que a imprensa fizesse. Está tudo no Twitter, no Flickr, no YouTube. Só não vê quem não quer. E a partir do momento que os usuários fazem o tema se tornar relevante na internet, a mídia de todo o mundo passa a considerar o assunto pauta. Mesmo se não fosse. E começam a noticiar o conflito a partir das poucas, únicas fontes disponíveis - os twitteiros e flickeiros que estão nas ruas de Teerã relatando os fatos.
Tem censura de internet em outros lugares, também. A China é um exemplo. Mas na China não há conflitos tão longos, que envolvem questões econômicas, políticas e religiosas, não há o cenário de instabilidade política que o Irã tem agora, e há um crescimento econômico vertiginoso - tudo isso ‘amansa’ as pessoas. Quem me explicou essa parada foi o Pedro Dória, há duas semanas, numa entrevista que gravei com ele, por telefone, para o site do Link (mas que acabou não indo pro ar, infelizmente).
A conclusão que eu chego, ajudada pela análise que ouvi do Dória na outra semana e por tudo que tenho lido sobre a questão iraniana: você não consegue bloquear a internet e impedir que os usuários se manifestem de forma satisfatória se o povo estiver economicamente insatisfeito e se você não tiver apoio das grandes empresas de internet. O Google, o Yahoo - todos se submeteram às regras da China. No Irã isso não aconteceu, os bloqueios foram governamentais, deliberados. Facilmente dribláveis, especialmentepor uma comunidade intelectual.
E o mais impressionante: através de uma ferramenta de uso extremamente simples, um grupo de oprimidos em um país lá no canto do planeta consegue mobilizar uma comunidade online local e, em segundo lugar, no mundo inteiro, em direção a uma causa. Unir ocidente e oriente, de certa forma - não totalmente, mas é uma união. E consegue mostrar para o mundo o que está acontecendo, não importa o quanto o governo daquele país tente esconder isso. Ver isso acontecendo, meu amigo, é revolucionário. Fazer parte disso, de alguma forma, é viver história. Espero que você esteja se dando conta disso nesse momento.
*Se eu escrevi alguma bobagem histórica, qualquer um de vocês é bem-vindo para me corrigir nos comentários.
**O blog do Pedro Dória tá cobrindo a treta no Irã com bem mais propriedade do que eu (observação óbvia). E o texto é leve também, exceto pelos nomes dos Aiatolás. Cola lá.
***O post tá ilustrado com trechos de Persépolis, o filme. Isso, aleatório mesmo. Também tem no Submarino.
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Tags: censura, história, Irã, manifesto, Marjane Sartrapi, Persépolis, Política, Twitter
fabio Reply:
June 18th, 2009 at 12:36 pm
sim, eles sempre fazem isso.
mas a causa não é válida?
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