17.02
2009
3:00 am
Uma ou duas coisas sobre a descriminalização da maconha
Postado em Brasil, Celebridades, CiênciaEu estudei em uma escola católica que, como toda boa escola católica, fazia seminários e palestras sobre drogas, explicando como era horrível e decadente chegar perto de um baseado.
A primeira vez que me ofereceram um desses, eu devia ter uns 13 anos. Olhei horrorizada para aquele traficante safado, um cara que tinha uns 23 e era irmão de uma amiga. Fiquei petrificada.
Por algum motivo inexplicável, a gente acaba crescendo e vendo que o mundo é ligeiramente maior do que as palestras e seminários da escola das freiras. E para o meu espanto, quando comecei a crescer, vi amigos - pessoas legais, e não aquele idiota irmão da minha amiga - começarem a fumar maconha.
Eu poderia escrever aqui “e vi que era bom”, porque seria uma metáfora com aquela coisa do Gênese da Bíblia e pareceria legal. Mas isso traria alguns problemas. O primeiro é que daria a entender que eu fumei maconha e vi que era bom, e considerando que minha família lê meu blog, eu realmente não gostaria de dar a entender algo assim (se eu não postar amanhã, fui internada na rehab).
O segundo é que misturar na mesma piada Deus e maconha costuma gerar reações agressivas, especialmente dos adeptos do primeiro. Tem aquela dos caras que arrancaram uma página da Bíblia pra enrolar porque tavam sem seda, sabe? Então. Essa costuma gerar muito ódio dos adeptos do primeiro.
E o terceiro é que seria uma mentira, porque eu não vi que era exatamente bom - na verdade, o que eu vi é que não era tão ruim pros meus amigos quanto a sociedade inteira me fez acreditar por tanto tempo.
Ok - de fato, pra alguns amigos era bem ruim. Alguns deles passaram a querer fumar maconha o tempo todo, e nada mais tinha graça pra eles se um baseado não acompanhasse. E eles passaram a viver em função daquilo, e me pareceu realmente ruim. Desses, a maioria acabou seguindo pra drogas mais fortes - como cocaína e ecstasy. Outra parte parou com tudo antes de chegar nesse nível, e em todos os casos isso envolveu epifanias religiosas.
Mas… tinha um outro grupo de amigos que fumava maconha. E esses seguiram a vida e fumavam aqui, tomavam um chá de vez em quando. E era saudável (até onde é possível), me parecia. Eles viviam bem - e vivem, até hoje. Trabalham, estudam, têm namorada, são bem sucedidos. Tem boa relação com a família. Tudo ok.
Daí eu percebi que tinha algo errado com tudo que eu já tinha entendido sobre maconha. E comecei a estudar sobre o tema. Li livros, vi documentários. Descobri que as razões da proibição e da perseguição aos usuários, nos anos 1930, foram socio-econômicas; descobri também que a maneira como a gente vê a droga é relativista e cultural, porque os adeptos da religião Rastafari justificam o fumo da erva com passagens Bíblicas (não que isso queira dizer algo, só estou mostrando como existem mil jeitos de interpretar a mesma informação); e percebi que tinha algo errado com o fato da nossa sociedade tolerar álcool e tabaco, ainda na adolescência, e abominar o uso de maconha.
Por isso, fiquei surpresa com a matéria de capa da Época dessa semana.
Achei o design foda. Essas faixinhas amarelas que parecem que tão girando… mó brisa.
Não, tô brincando. Achei surpreendente que um veículo das organizações Globo publicasse uma matéria tão lúcida e eloquente sobre o tema, fugindo do lugar-comum desse tipo de reportagem, que costuma apresentar falso moralismo e algumas inverdades. O texto pode ser lido na íntegra aqui.
Perguição ao Phelps? Acho absurdo que encham tanto o saco do cara. Se por um lado ele é uma figura pública e deve dar exemplo, porque provavelmente serve de modelo pra crianças, por outro, ele só comprova a tese de que existem pessoas normais e bem-sucedidas fumando maconha por aí. Apesar de concordar que ele não precisa sair por aí fumando maconha em festas universitárias - essa exposição é desnecessária.
A Época, defendendo a discussão sobre a descriminalização? Isso é fantástico. Se eu sou a favor de descriminalizar? Não sei (o FHC é). Mas sou a favor de rediscutir as políticas de combate ao tráfico, isso sem dúvida. E sou a favor de rever a posição da maconha na escala das drogas perigosas, até porque ela é comprovadamente menos ‘viciante’ que nicotina e álcool, sem contar que alguém sob efeito de maconha parece ter muito mais controle do que faz do que alguém sob efeito de álcool. E, definitivamente, sou a favor de que a sociedade remova esse tema do status de ‘tabu intocável’ pra ‘tema que deve ser discutido urgentemente’, porque as mortes geradas pelo combate inútil ao tráfico são questão séria de segurança pública.
Além disso… você já ouviu falar de briga e morte em show de reggae? Nem eu.
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Nelson Góes Reply:
November 2nd, 2009 at 2:33 pm
Ana, desculpe, não gostaria de entupir o seu blog de mensagens, mas tive que replicar aqui e depois.
A mensagem está dada da melhor maneira possível. Não existem fórmulas para nada (provo isso na cozinha) e se existe alguma, ela diz: Faça dar certo.
Você sabe dar o recado muito bem e acho que os seus textos são claros, concisos e com argumentações sólidas (tem até o link para a reportagem se “alguém” tiver mesmo interesse em saber como o tema foi abordado) , além é claro de agradabilíssimos de ler, humor da mais alta qualidade.
Entrar em detalhes, não é pré-requisito (vixe! Lembrei da faculdade, agora) para passar bem o recado. Esse é o tipo de subterfúgio que um cara como eu não pode prescindir. Já você tem um bocado de texto aqui mostrando que pode abrir mão de detalhes e que sabe fazer isso com maestria, sem deixar o texto perder nem um pouco o sentido. Perdi, preciso aceitar isso.
Para mim tá ótimo!
Responder